sexta-feira, 28 de outubro de 2016

CONSELHEIRO FRANCISCO, CONSTRUTOR DA VELHA IGREJA DE CUMBE


AUTOR: JOSÉ DIONÍSIO NÓBREGA


Imagem da internet

As condições de vida do homem no sertão levam-no a ter um comportamento religioso tão forte que lhe permite suportar as piores desgraças. Não há limites  de sofrimento que o faça perder o ânimo e, quando  este se vai, há ainda as mãos de Deus em que se põem as últimas esperanças. O sertanejo aceita tudo com uma bravura formidável, mesmo nos períodos de seca prolongadíssimos, arrasadores. Sua fé nunca morre. Quando a terra ressequida não lhe dá mais o sustento, os homens piedosos – beatos e conselheiros – com liderança incontestável, dão-lhe o pão da alma, reconfortando-o. É nesse campo fértil de religiosidade extrema  que surgem esses semideuses das caatingas inóspitas e inalcançáveis, os quais substituem com vantagens os vigários romanizados, elitistas e distantes do povo.

O mais célebre deles foi Antônio Conselheiro que, em duas décadas, construiu ou reconstruiu quase uma vintena de igrejas e capelas, sem contar os muros de cemitérios e outras benfeitorias inesquecíveis. Em torno de sua figura, criou-se uma aura de santo, o povo que o seguia transformou-o no “Bom Jesus Conselheiro”, um exemplo raro de alma santificada. Sua fama  de penitente, de hábitos simples e moral rígida, correu os sertões, abafou a existência de outros peregrinos que se largavam por essas caatingas a pregar o bem e a fazer obras meritórias.


Há notícias em Quijingue (antigo Triunfo) de que em um sitiozinho da fazenda Curral Sagrado chegou a morar um senhor de nome Francisco Maria de Jesus, conhecido por Francisco Conselheiro ou Conselheiro Francisco. Segundo ofício de 1891 do vigário de Itiuba para Dom Manoel dos Santos Pereira, vestia-se de hábitos talares, uma espécie de túnica de algodão americano azul, sobre a qual envergava ainda uma capa preta de chita ou de madrasto, com franjas, em forma de uma casula, que chama de escapulário. Por cima de tudo isto, pende-lhe sobre o peito um pequeno crucifixo de metal sustentado por um cordão preto. Era um sujeito moreno, acaboclado, de barbas e cabelos pretos e crescidos, possivelmente mais baixo e mais jovem do que o

Imagem: http://quijinguecom.blogspot.com.br/

Conselheiro de Belo Monte. Cultivava o hábito de dirigir-se  às casas de famílias para rezar o terço e fazer as suas “práticas”,  a que o povo dava o nome de conselhos, de modo que se formara, em torno dele, grande multidão. Sem uma rua sequer, Triunfo, àquela altura, começava a ter necessidades de um templo de orações. A simples presença do humilde peregrino criou um clima de motivação à edificação de uma capela. “Seu” Antônio Gregório - vaqueiro da fazenda Onça – ofertou o terreno e as mulheres se reuniram para doar o sino. Leôncio Almeida, de Quijingue, disse a Pe. Henrique José do Nascimento que as pedras para a construção da igreja de São João vieram de Curral Sagrado carregadas em banguê e que o Conselheiro Francisco veio a falecer por volta de 1906. Em pouco tempo, estava pronta a igrejinha de São João, projetada e edificada pelo “piligrino”, com a ajuda dos moradores e fazendeiros do Rio Cariacá ao Rio Quijingue. A praça veio logo em seguida.

Em Cumbe, ocorreu diferente. Havia já uma capelinha de palha, insuficiente para abrigar a população católica que crescia, principalmente após a transferência da Freguesia de Massacará para a terra do Major Antonino. Com o povo reunido em torno da figura mística de Francisco Conselheiro, levantar a igrejinha de N.S da Conceição não foi tarefa das mais difíceis, mas também não  foi assim  da noite  para o dia. Sua estrutura era maior e bem mais complexa que a de Triunfo. As mulheres,
entusiasmadíssimas, em procissão, traziam, com rodilhas à cabeça, pedras de um dos altos acima do cemitério, enquanto os homens fabricavam adobes no Sobradinho, ao pé da serra de Cumbe (hoje serra da Santa Cruz). Durante o tempo em que passou à frente da construção, o não tão célebre Francisco morou sozinho em casa desmobiliada onde se apinhavam as beatas. Com a chegada do padre Sabino em 1881, o clima de mutirão da construção da igreja de Cumbe ter-se-ia alterado? Acho que não. Durval V. de Aguiar, autor do livro “Província da Bahia”, ao passar neste arraial por volta da segunda metade da década de 1880, não fez nenhuma menção ao referido padre. Constatou, no entanto, a presença de um conselheiro que edificava uma excelente igreja, confundindo-o com o Antônio Conselheiro que terminara a igreja de Mocambo (atual Olindina), e ainda traçou-lhe um perfil muito aproveitado por Euclides da Cunha em “Os Sertões”.

Para construir a igreja de N.S. da Conceição de Cumbe e a do antigo Triunfo, povoado onde virá a falecer e seu corpo será enterrado, Conselheiro Francisco, segundo  Felisberto, prefeito de Quijingue, e seu irmão Elias Custódio da Silva, se socorreu do amigo e pedreiro pernambucano José Bezerra. No ano de 1958 seu neto Zuza Bezerra se elegeu prefeito do município de Euclides da Cunha e depois deputado estadual. Na opinião de Ioiô da Professora, Mestre Luis participou da construção da velha igreja de Cumbe mais do que o avô de José Bezerra Neto.
Teria sido o Conselheiro Francisco um representante do celebérrimo “Rei dos Jagunços”, como o foi o beato Paulo José da Rosa que reconstruiu a igrejinha de Santo Antônio dos Canudos? Será  que Antônio Conselheiro permitiria que um beato seu também desse conselhos?

O Pe. José Gumercindo, fundador da Sociedade Joseleitos de Cristo, e o seu pupilo Pe. Henrique admitiam que Conselheiro Francisco, sergipano de nascimento, antes de construir as igrejas de Cumbe e de Triunfo, chegou a fazer parte do grupo seleto de Antônio Conselheiro, não o seguindo por discordar da presença constante de homens armados entre os seguidores. Leôncio Almeida, falecido por volta de 1973, beirando já  90 anos, é que contava essa e outras histórias.
Embora tenha ouvido de Manoel Ciriaco em Canudos que o Conselheiro Francisco fora o responsável pela construção da velha igreja de Cumbe, confirmado pelo historiador José Aras, professor Calasans preferiu a versão dada pelo coronel Durval Vieira de Aguiar, que confundiu, quando de sua passagem por Cumbe, a figura de Francisco com a do peregrino cearense.

O atraso da mudança do Pe. Sabino da freguesia de Massacará para Cumbe pode ter sido causado por dificuldade de acomodação de seus filhos menores nascidos de sua “querida” Dona Benta. Mas acredito que tenha conseguido angariar recursos de coronéis e outras autoridades para ajudar o sergipano Conselheiro Francisco a concluir a igreja de N.S. da Conceição, com a frente voltada para a serra do Cumbe, hoje serra da Santa Cruz.

Hospedado em Cumbe na casa de rancho de Antônio Carneiro, situada onde mais tarde seria a residência de Dona Joaninha de Seo Pequeno, próxima do fundo da igreja recém- construída, Antônio Conselheiro, no final de maio e início de junho de 1893, logo depois do “Fogo do Masseté”, com a ajuda de seus pedreiros, construiu, segundo Ioiô da Professora, o platibanda da igreja de N. S.  da Conceição do Cumbe do Major Antonino nos mesmos formatos das igrejas e capelas por ele construídas.

Professor José Calasans, diante dos meus argumentos, mudou de opinião e ficou feliz em saber que o Conselheiro Francisco era seu conterrâneo. Não demorou em escrever um belo artigo, corrigindo o que antes dissera, publicado em uma das revistas da UNEB.





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E ENTREVISTAS

AGUIAR, Durval Vieira de. Descrições práticas da Província da Bahia. Rio de Janeiro:
Livraria Editora Cátedra, 1979, p. 83.

CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo: Editora Martin Claret, 3º edição, 2002, p. 205.

Carta de 04/02/1891 do vigário da Freguesia de Itiúba, Firmino de Souza Estrella, ao Bispo da Eucaristia e Auxiliar do Arcebispado da Bahia, Dom Manuel dos Santos Pereira sobre o Conselheiro Francisco. Centro de Estudos Baianos (Núcleo Sertão).

Entrevistados pelo autor:
Felisberto José da Silva, prefeito de Quijingue.
Elias Custódio da Silva (irmão de Felisberto).
Pe. José Gumercindo dos Santos, vigário da paróquia de Tucano e fundador da Sociedade Joseleitos de Cristo.
Pe. Henrique José do Nascimento, da Sociedade Joseleitos de Cristo.
Professor José Calasans Brandão da Silva.
João Siqueira Santos (IoIô da Professora).
Outros em entrevistas informais.

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quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Benjamim Batista faz documentário em Euclides da Cunha 1995




Ano 1995, Benjamin faz um documentário em sua terra natal, entrevista pessoas, mostra a feira livre e menciona o apoio do abnegado Celso Mathias, então proprietário da revista e editora Vida Vitória que, generosamente, editou o livro Cartas Holísticas da Dra. Eliane Quadros, psicóloga, que também aparece neste filme. Estas imagens correm o mundo em homenagem aos sertões.
Entrevistas com feirantes na Avenida Ruy Barbosa, comerciantes, entre outros.