sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Emancipação de Cumbe: 19 de setembro de 1933 ou 11 de Junho de 1898?



     Por J. Dionísio Nóbrega

O tenente-coronel da Guarda Nacional Antônio Francisco de Souza Reis, conhecido por “Major Antonino”, vendo que o seu torrão natal já reunia todas as condições para se emancipar de Monte Santo, entrou em contato com Dr. Francisco Carvalho do Passo Filho, deputado recém-eleito pelo 5º distrito, para que submetesse à apreciação da Câmara petição que elevava à categoria de Vila o arraial de Cumbe¹. Nessa época os municípios tinham como sede vila ou cidade.
Segundo deputado mais bem votado por seu distrito, amigo íntimo do governador Luiz Vianna², conhecedor profundo da região sertaneja, Dr. Passo Filho era o melhor representante da Assembléia Legislativa para tornar realidade a tão desejada emancipação. E tudo corria a favor de Cumbe.
Monte Santo não criaria nenhum problema. O seu intendente, Cel. Felisberto José Pinheiro, fora na década de 1880, como Juiz Suplente, o principal colaborador de Dr. Passo Filho quando este exerceu o cargo de juiz de direito da Comarca. Natural de Nova Soure, filho do 1º Intendente daquele município, coronel Francisco Carvalho do Passo, Dr. Passo Filho mantinha fortes vinculações familiares em Tucano e Massacará. Era dono da grande fazenda “Olhos d’Água” não muito distante de Masseté. Ainda hoje há um lugar de Masseté abaixo conhecido pelo nome de Lagoa do Passinho. Passinho, nome popular de Dr. Passo Filho, tinha muitos parentes em Tucano, principalmente na Taboa e Muriti dos “Alves do Passo”. Um irmão seu mais novo, Dr. Américo Carvalho do Passo, viveu os últimos dias de vida na Fazenda Bendó do antigo município de Pombal ao lado da esposa Umbelina Arsênia da Gama Passo, ou simplesmente Belinha do Bendó, que entrou na história de Canudos como doadora da cumeeira e outras peças de madeira para a igreja nova de Canudos da época de Antônio conselheiro. Dr. Passinho era, pelo lado materno, sobrinho do coronel José Américo Camelo de Souza Velho. Portanto, primo carnal do Cel. Potâmio que será Intendente de Cumbe em dois mandatos.
Há uma possibilidade real de parentesco entre Dr. Passo Filho e o Major Antonino. As mães de ambos desfrutam dos mesmos sobrenomes: Caetana de Morais. A do Major Antonino chamava-se Antônia e a de Dr. Passo Filho, Maria, sendo que a primeira teria idade de ser mãe desta última. O avô materno de Dr. Passinho atendia pelo nome de Américo Camelo de Souza, e Souza faz parte do nome do Major Antonino.

O projeto de emancipação de Cumbe correu na Câmara dos Deputados sob o número 477 e sua primeira discussão se deu a 9 de julho de 1897. Estava Canudos, que já pertencia à freguesia de Cumbe, em plena Guerra.
Na Câmara, Dr. Francisco Carvalho do Passo Filho declarou que lamentava o esquecimento a que Cumbe foi submetido, visto não conhecer no sertão localidade mais próspera e de futuro lisonjeiro. Em seguida, enalteceu-lhe a beleza indescritível das paisagens, dos vales e colinas, a salubridade do clima, as riquezas florestais, a produção agrícola e a industria pastoril, o comércio da grande feira, distinguindo-se como um dos maiores mercados da região, a uberdade e a pujança do solo. Traçou-lhe um perfil da urbanização, das edificações de um modo geral, do templo católico, da casa onde funcionará o Conselho Municipal (hoje Câmara de Vereadores), do barracão da feira do primeiro e grande líder Major Antonino, de uma maneira tão entusiasmada que os colegas deputados não lhe fizeram a menor oposição⁴. Pelo contrario, foi muito aplaudido. Soube apresentar com motivação, talento e capacidade persuasiva os aspectos essenciais do futuro município.
A segunda discussão ocorreu a 27 de abril de 1898. Dr. Antonio Carlos de Souza Dantas, filho do ex-presidente da província da Bahia, Dr. João dos Reis de Souza Dantas, e sobrinho do Conselheiro Dantas, submeteu à consideração da Casa uma emenda que mudava a expressão Vila de Nossa Senhora do Cumbe para simplesmente Vila do Cumbe.
Outra grande intervenção foi a do deputado curaçaense Scipião Torres, um dos signatários do projeto ora  em discussão. Como representante da 5º circunscrição, fez discurso convincente e, dentre outras coisas, lembrou que, sendo elevado à vila, Cumbe se constituirá num município onde se estabelecerá uma Coletoria que fará a cobrança dos impostos estaduais com mais regularidade e mais ordem.
Também o deputado Carlos Leitão, filho do coronel José Leitão, de Santa Luzia (hoje Santa Luz), lembrou aos colegas o lindo madrigal com que Dr. Passo Filho cantara as belezas do Cumbe.

O único que criou algumas dificuldade foi o Cônego Novais que, fazendo oposição ao governo Luiz Vianna, requereu, por intermédio da mesa, informações do Conselho Municipal de Monte Santo⁵. Encerrada a discussão, ficou o requerimento prejudicado, pelo que pediu se consignasse em ata ter votado contra o projeto⁶. Em 6 de Maio de 1898, em 3º e ultima discussão, aprovou-se o projeto.


No senado do Estado, o projeto, que chegara a 11 de Maio de 1898, correu rápido, visto que os senadores, por unanimidade, foram a favor⁷. Petição do Conselho Municipal da Vila de Tucano⁸, reclamando contra o projeto, nem sequer entrou em discussão, a qual deve ter se originado do fato de que no projeto de criação do município de Cumbe se incluíram sítios ou fazendas do município de Tucano, como por  exemplo Casabu e Algodões. Muitos anos depois, a pedido de Dr. Teotonio Martins, o prefeito Jose Camerindo de Abreu devolveria ao município vizinho o povoado de Algodões.

Rápidas e sucessivas foram as discussões e aprovações de 4,6 e 11 de julho de 1898. Decretado pelo Senado e levado ao então governador conselheiro Vianna, para sanção, o projeto de emancipação da Vila do Cumbe transforma-se na Lei nº 253⁹. Na realidade a Lei nº 253 deveria ter saído com a data de  20 de julho de 1898, mas foi publicado oficialmente com a data de 11 de Junho de 1898.
Através do Dec. nº 23, de 31 de Dezembro 1898¹ᴼ, o chefe do executivo baiano designou o dia 26 de fevereiro de 1899 para que se realizasse em Cumbe a sua primeira eleição, da qual saíram intendente o Major Antonino, líder político local que muito lutara para a emancipação de seu povoado, e membros do Conselho Municipal, o coronel Arsenio Dias Guimaraes, do Caimbé, Ernesto Francisco da silva Reis, filho do Major Antonino, Luiz Martins de Almeida (Seo Lulu), da Lagoa do Barro, Joaquim de Carvalho Lima, filho de Baltazar Francisco Lima (primeiro Lima a pisar no Cumbe), José Joaquim de Santana (pai do futuro intendente e também prefeito Joaquim Menino) e Raimundo José do Conselho (Raimundo Cajazeira), esposo de Maria do Brejinho e pai de Manuel do Conselho Campos (Detinho).
De acordo com a Lei nº 104, de 12 de agosto de 1895¹¹, houve a segunda eleição em 9 de Novembro de 1902, na qual se elegeu intendente Potâmio Américo de Souza, com 25 anos incompletos, grande amigo de Dr. João da Costa Pinto Dantas, de quem se dizia primo, filho do coronel José Américo e sogro de Ioiô da Professora.
Elegeram-se presidente do Conselho Municipal (hoje Câmara de Vereadores) João Alves de Souza (pai de Apromiano Alves de Campos), natural do antigo Bom Conselho (hoje Cícero Dantas), e membros do Conselho os senhores Zacarias Dantas do Nascimento (descendente dos Dantas Pereira do Bom jardim), Raimundo da Silva Dantas (tio dos irmãos Ioiô Dantas e Zé Dantas, avô de Floranice), inimigo declarado do povo conselheirista de Canudos, Pedro Francisco da Silva Guimaraes (descendente dos Pereira Guimaraes de Campo Formoso e dos Mendes da Silva do Caimbé), Felixberto de Macedo primo (pai de Chiquinho do Beto, de Zé Macedo, João Macedo e outros), da Lagoa do Barro, Quintino Lopes de Castro (conhecido por Quinto Lopes), pai de Castrinho e muitos outros, e Rozendo Ferreira Primo (avô de IoIô de Hermógenes e de outros, sogro de João Macedo, de Benjamim  Batista e de Edmeia de Joãozinho da Barriguda), morador no Riacho d’Água.

Além do Major Antonino (dois mandatos?) e Cel. Potâmio (eleito em 1902), Cumbe terá até 1930 os seguintes intendentes: coronel Arsenio Dias Guimaraes (três mandatos), morador no Caimbé; capitão Francisco da Silva Dantas, sergipano de Cristinápolis, que conseguiu trazer de Salvador para Cumbe a professora Erotildes Siqueira (mãe de Zeca da professora Antonieta, de Dominguinho, de Ioiô da Professora, além de outros); Joaquim de Carvalho Lima (tio de um dos chefes políticos de Cumbe: Joaquim menino); Benevides Dias Moreira (pai de filhos euclidenses e tucanenses, tio da professora Luti e D. Iaiá do Correio), filho do Professor Moreira, de Massacará, e bisneto de um dos compradores do Aribicé; coronel Potâmio Américo de Souza (2º mandato), Joaquim de Santana Lima (Joaquim Menino), pai do vereador Zezé Lima e de muitos outros; e Luiz Ferreira do Nascimento (Seo Lua), sogro de Zé Dantas e último intendente de Cumbe.
Em 7 de Maio de 1901, o Secretário do Tesouro e Fazenda do Estado resolve exonerar o coletor recém-nomeado José Lopes Guimaraes, casado com D. Julia Emília, filha do Padre Sabino, por não ter se habilitado no prazo que lhe fora marcado, e nomeou para o dito cargo o cidadão Francisco Dantas.
Os Lopes Guimaraes vieram para Cumbe por influência do pai do Major Antonino, Manoel Felix dos Reis, que viúvo de D. Antônia Caetana de Moraes, entrou na família Lopes de Monte Santo sem deixar descendência.
Com a Lei nº 253, de 11 de junho de 1898, Cumbe deixou de ser um simples distrito de paz para tornar-se um dos maiores municípios da Bahia em área geográfica, compreendendo em seu território, alem do distrito-sede, as fazendas Jiboia, Castanhão, Riacho d’água, Beira da Serra, Juá, Lagoa da Mata, Penedo, Pocinhos, Barra da Fortuna, Coiqui, Poço de Cima, Serra Vermelha, Bom Jardim, Curralinho, Casabu, Algodões, Riacho, Campo Grande e Limoeiro, de modo a se limitar com Tucano, Monte Santo, Jeremoabo, Cícero Dantas e Pombal.

Capitão Dantas (à esq.) Cel Arsênio Dias Guimarães e Cícero
Dantas Martins (neto do Barão de Jeremoabo)


Com a revolução de 1930, a Bahia sentiu necessidade de reduzir o número de municípios com o fim de exercer maior domínio sobre eles. Arthur Neiva, como novo interventor federal na Bahia, buscou assessoramento em Bernardino José de Souza¹², sergipano conceituadíssimo como professor e administrador. Este notável Secretário Perpétuo do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), conterrâneo do capitão Francisco da Silva Dantas, construtor dos prédios da Faculdade de Direito do Portão da Piedade e do próprio IGHB, foi nomeado Secretario do Interior e Justiça, ficando sob sua responsabilidade a reorganização político-administrativa dos municípios.
Com a nova reestruturação, muitos municípios sumiram do mapa político baiano, alguns deles antigos e tradicionais, como por exemplo S. Sebastião. Isso pode ter causado insatisfação nos municípios incorporados. O interventor Neiva, para diminuir o mal-estar, deu-lhes o status de subprefeitura.
Ao território do município de Cipó, que se emancipara a 8 de julho de 1931, por força do decreto nº 7.479,  foram anexados os municípios de Soure, ao qual Cipó pertencia como povoado, Pombal, Tucano e Amparo.
Cumbe, emancipado desde 1898, e Uauá, em 1926, voltaram a pertencer a Monte Santo em 8 de julho de 1931 pelo Decreto nº 7.478. Quinze dias antes, Cumbe fora equivocadamente anexado a Paripiranga através do Decreto nº 7.455, de 23 de junho de 1931.
Por causa dessa política anexacionista, conheceu Cumbe um momento dos mais delicados de sua historia, um verdadeiro retrocesso político. Dos anexados que se restabeleceram em 1933, Cumbe foi o último município da Bahia a ter subprefeitura e subprefeito. Com a criação dessa estrutura política de subprefeitura consolaram-se pelo menos alguns municípios desaparecidos.
Em menos de um mês de anexado, Tucano conseguiu a nomeação em 4 de Agosto de 1931 de seu subprefeito, o tenente Abdias Freire de Andrade (vide DOE, 03/08/31). Dois dias antes de Tucano, saíra o nome de Antônio de Brito Costa, de Pombal (vide DOE, 01/08/31).   Uauá, ainda um pequeno município, emancipado 28 anos depois de Cumbe, teve subprefeito, o senhor João Minervino de Macedo, também em 1º de agosto de 1931. Cumbe, no entanto, fora esquecido. Quase dois anos depois da perda de autonomia, precisamente a 17 de março de 1933, é que foi criada a subprefeitura (Dec. Nº 8.420, de 17/03/1933) e 63 dias depois (24 de maio de 1933) foi nomeado subprefeito o senhor José Camerino de Abreu (DOE, 24 de maio de 1933)
O 19 de Setembro é uma data histórica relevante não só para a cidade como para todo o município, pois foi neste dia do ano 1933 que Cumbe se restabeleceu como município através do Decreto nº 8.642, baixado pelo interventor federal, interino, Manoel Matos Correa de Menezes. Nesse mesmo dia foi nomeado prefeito o subprefeito José Camerino de Abreu. Correa de Menezes, pelo Decreto nº 8.653, de 25 de setembro de 1933, designa o dia 10 de Outubro daquele ano para a instalação de Cumbe, de Uauá e Pombal.
Pelo Decreto nº 11.089, de 30 de Novembro de 1938, o município e seu distrito-sede passaram a denominar-se Euclides da Cunha, em homenagem ao historiador da Campanha de Canudos, autor de “Os Sertões”. Como se vê, há várias datas históricas para o município de Euclides da Cunha  comemorar.

NOTAS
1. Anais da Câmara dos Senhores Deputados do Estado da Bahia, vol. IV, 54ª sessão ordinária
2. Anais da Câmara dos Senhores Deputados da Bahia, Vol.IV, 54ª sessão ordinária; Anais da Câmara, sessão em 17 de agosto de 1897, pag. 269
3. Anais da Câmara dos Senhores Deputados do Estado da Bahia, Vol. IV, 54ª sessão ordinária
4. Anais da Câmara dos Senhores Deputados do Estado da Bahia, Vol. IV
5. Anais da Câmara dos Senhores Deputados do Estado da Bahia, Vol. I, 9ª sessão ordinária
6. Anais da Câmara dos Senhores Deputados do Estado da Bahia, Vol. I, 9ª sessão ordinária
7. Anais da Câmara do Senado do Estado de 1898, Vol. I,  21ª sessão ordinária
8. Anais da Câmara do Senado do Estado de 1898, Vol. II,
9. Anais da Câmara do Senado do Estado de 1898, Vol. III, 65ª sessão ordinária
10. Enciclopédia dos Munícipios-Ba
11. Livro do Tabelionato do município de Cumbe
12. Bernardino j. de Souza estudou no Ginásio Carneiro Ribeiro e na Faculdade de Direito da Bahia, de que foi professor