Joaquim Silva Dantas (Ioio Dantas) nasceu em Cumbe, 02 de
maio de 1920, filho de Francisco da Silva Dantas (Capitão Dantas) e Balbina de Araujo Dantas.
A primeira
aula de Ioiô Dantas aconteceu na escola do professor João Lima, irmão caçula e
sócio de Luís Caldeirão, situada no Beco do Cemitério, numa casa vizinha à de
Jerônimo Abreu. Com a transferência do pai para Cícero Dantas, teve Ioiô Dantas
como professor, no período 1930-1931, o promotor público daquela cidade — Dr.
Renato. Mas o seu grande mestre mesmo foi, ao voltar para Cumbe, o Prof. Teófilo
Paiva Guimarães, o braço direito, como secretário, de vários prefeitos,
inclusive de Ioiô, com o qual foi o último a trabalhar.
Dona Genuína Vieira
de Castro, de Salvador, passou a ministrar aulas em 1933, época em que ainda
Cumbe sofria as conseqüências da seca, ano em que José Camerino
de Abreu entrou na política como subprefeito e ainda no mesmo ano como
prefeito. A quarta e última professora do filho do Cap. Dantas instituiu, pela
primeira vez em Cumbe, a escola mista, ou seja, o menino já podia estudar ao
lado da menina. Com esta professora Ioiô concluiu o primário e com as colegas
aprendeu a namorar. Mas no ano anterior, contando Ioiô apenas 12 anos de idade,
foi convidado pelo irmão Zé Dantas para tomar conta da loja de secos e molhados
situada onde hoje é a “praça do jardim”. O pai de Dr. Osvaldo precisava
ausentar-se da Vila de Cumbe porque fora designado como apontador da IFOCS no
trecho Cajueiro a Tucano. Abria-se nesta época a estrada que seria chamada de
BR-116.
Em 1933, após concluir o primário, sem condições de
continuar com os estudos, porque para isso teria de se transferir para
Salvador, Ioiô de D. Balbina aceitou a responsabilidade de gerir a loja A
Venturosa, que já não pertencia ao seu cunhado Luís Caldeirão, mas a Totonho
Dantas, seu irmão mais velho. Como Zé Dantas admirava e já conhecia a dedicação
e a seriedade do irmão Ioiô, chamou-o mais uma vez para trabalhar com ele,
tirando-o do ramo de tecidos. Joãozinho de D. Geni, 8º filho do Capitão Dantas,
ainda reclamou do irmão adolescente por ter pulado para o lado de Zé Dantas,
considerando que ele (Ioiô) não demoraria, por doação de Totonho, a ser o dono
da empresa. Com menos de dois anos, tudo ficou em família: Totonho Dantas
propôs a Zeca Dantas formar uma sociedade, juntando os tecidos de um com os
secos e molhados do outro. Mas não tardou o pai de Tonheco a comprar a parte do
irmão, mantendo Ioiô como gerente-mirim.
Ressalte-se um detalhe interessante. Quando Ioiô Dantas,
ainda adolescente, foi chamado a gerenciar os negócios dos irmãos, ele já não
era calouro na arte e técnica de vendas. Em 1930, com apenas 10 anos de idade,
aprendera com a lojista D. Naninha, mãe de Nair, em Cícero Dantas, para
onde o pai Capitão Dantas se transferira como Coletor, a cortar tecidos nos
dias de feira, recebendo, por cada dia trabalhado, a remuneração de 1$000 réis
ou “deztões”, como se dizia.
Se a expressão “tal pai tal filho” é verdadeira, Ioiô Dantas
é um dos mais parecidos com o pai, não só fisicamente como também na trajetória
de vida. Ambos sobressaíram atrás do balcão, exerceram a função de coletor
estadual e, por último, se destacaram na qualidade de administrador do município:
o pai, como intendente em 1907, e o filho, 60 anos depois como prefeito. Mais
outra coincidência: nasceu Ioiô num dia 2 de maio, a mesma data do casamento
dos pais no Caldeirão Grande em
Monte Santo, lugar em que Euclides da Cunha, um ano depois, descansaria
para logo retomar a viagem em direção a Canudos.
Entretanto, conseguir namorar a filha de Luís Elpidio não
foi fácil. Valmira, que se reservara o tempo todo, demorou a abrir-lhe o
coração. Mas ao lhe dar o “sim”, depois de cinco anos tentando conquistá-la, a
vida de Ioiô mudou completamente, acabou-se o Dom Juan. Para o ano o casal
comemorará 60 anos de vida conjugal.
Uma descoberta interessante sobreveio com a união desse
euclidense com a uauaense. Tomaram conhecimento de que a avó de Ioiô, dona
Francisca, mãe de D. Balbina, era irmã do bisavô de Valmira, Balbino Manoel dos
Santos, pai de Ana Maria que, ainda menor, foi roubada por João Elpídio na
Pastos dos Bois e depois levada para Salvador onde se casaram sem o
consentimento da mãe Alexandrina Umbelina dos Reis — viúva de pouco tempo. Esta
senhora, que nascera na fazenda Macaco, onde hoje é Caldas do Jorro, era filha
do coronel João Manoel dos Reis, também conhecido por João Manoel do Macaco
que, por sua vez, era genro do Pe. Antonio José Pinheiro. Este vigário de Monte
Santo é, portanto, pentavô de Dori, filho único de Ioiô Dantas e da professora
Valmira.
Um dos sonhos de Ioiô Dantas, mesmo antes de se tornar chefe
do executivo municipal, era ver a segunda praça de sua cidade natal, que fora
tão bem cuidada pelo pai Capitão Dantas quando intendente em 1908, converter-se
numa das mais belas do sertão. Quando prefeito, deram-lhe a informação de que
uma firma de São Paulo doaria uma fonte luminosa com a condição de lhe servir
de propaganda. A cargo da prefeitura ficariam as despesas com mão-de-obra, a compra
e instalação dos azulejos e outros materiais. Mesmo sem energia elétrica,
apenas com luz do motor da “rua da usina”, a fonte luminosa se fez realidade. O
povo e os visitantes deleitavam-se com as águas dançando de acordo com a
música. De praça do “Pau de Oliveira Brito” passou a ser chamada pelo povo de
Praça do Jardim ou simplesmente Praça ou Jardim.
Para que a outra praça, consagrada como “rua” da Igreja, não
ganhasse o infame epíteto de “abandonada”, principalmente após a destruição
desnecessária da histórica igreja de Nossa Senhora da Conceição, construída com
a ajuda do povo pelo sergipano Conselheiro Francisco, o mesmo que edificara a
capela de São João, de Quijingue, em cujo velho cemitério está enterrado, Ioiô
tomou a enérgica decisão de arborizá-la plantando mudas de belos espécimes de
palmeiras trazidos pelo poeta José Aras, além de dar-lhe um dos melhores
calçamentos.
O prefeito do período 1967-1971 fiscalizava pessoalmente
todas as obras, exigindo qualidade na prestação dos serviços. Não havia nessa
época recursos para a criação de secretarias que se encarregassem das funções
específicas da administração municipal. Teófilo Dantas, mesmo tendo sido de
outro grupo político, chegou a se impressionar com o zelo de Ioiô pela coisa
pública ao flagrá-lo conferindo com o próprio empreiteiro os metros quadrados
dos paralelepípedos utilizados para o calçamento da praça da matriz. Mas como o
povo iria trafegar de uma praça para a outra se o beco que as separa era
estreitíssimo e o número de veículos aumentava a cada dia? A solução encontrada
por Ioiô foi sacrificar parte da própria casa onde nascera. Este fato lembra o
governador Seabra quando, ao enlarguecer o trecho que liga São Pedro à Praça da
Piedade, teve de demolir o lado esquerdo do prédio do Senado Estadual. Por
coincidência, o mesmo lado da casa de Seo Dantas. Ioiô, sempre zeloso de seu
nome, nomeou uma comissão mista, composta de vereadores e pessoas da sociedade,
que avaliasse em termos financeiros a parte lateral da residência a destruir.
Achando, por questão de ética, de se abster do pagamento da
indenização do imóvel sacrificado, já que era um dos herdeiros, passou
momentaneamente o cargo de prefeito ao então presidente da Câmara, Raimundo
Dantas Lima. O mesmo vai acontecer quando da abertura da rua monsenhor Pedro
Monteiro nos terrenos de D. Clarinha e Totonho Dantas. Nesta nova via pública,
no entardecer de sua profícua administração, já com os recursos próprios da
prefeitura quase exauridos, decidiu mesmo assim dotar a cidade de um mercado municipal
com boxes azulejados a fim de evitar o comércio ambulante da carne, da farinha,
do feijão e de outros produtos ao longo da avenida Rui Barbosa.
Incapaz de deixar dívidas para qualquer que fosse o seu
sucessor, porque cultivava o hábito de só comprar à vista, Ioiô Dantas
consultou Vavá da Madeira (Osvaldo Miranda da Paz) se poderia fornecer à
prefeitura produtos a preço de custo. Num gesto de solidariedade, de sacrifício
e de amor à sua terra, o comerciante atendeu às súplicas do prefeito inovador para
que ele concluísse o novo Mercado.
Com o objetivo de ajudar os necessitados de casa própria,
Ioiô comprou terrenos logo acima da Caixa d’Água ao professor Teófilo “Careca”,
de saudosa memória, loteou-os com a denominação de “Loteamento Teófilo Paiva Guimarães”
e doou-os a quantos quisessem edificar a sua morada, com a condição de não
revender ou especular. A partir dessas ações inovadoras, surgiu o bairro da
Caixa d’Água. Recentemente, o ex-vereador Viló, num gesto de gratidão,
representando os habitantes deste novo e grande bairro, envidou esforços no
sentido de homenagear a passagem dos 90 anos de vida do grande prefeito da
década de 60.
Aproveitando os terrenos loteados por Nelson Bastos,
herdados de sua mãe Maroca, conhecidos no passado por “bananeira”, Ioiô deu
início à abertura da via pública que mais tarde tomará o nome de “rua Dr.
Umberto Freire”.
Em 30 de julho de 1938, Dr. Mário de Castro Rocha, prefeito
de Cumbe (ainda não era Euclides da Cunha) nomeado pelo interventor federal na
Bahia, Landulfo Alves, designou Joaquim Silva Dantas para o cargo de auxiliar
de tesouraria da prefeitura. Dois anos depois, Ioiô dirigiu um estabelecimento
de um dos fornecedores do DNOCS (Seo Arlindo) no lugar denominado Tromba, junto
da serra onde Thomás Vilanova, grande colaborador das forças expedicionárias de
Arthur Oscar contra Canudos, teve de se esconder com a numerosa família por
causa da perseguição implacável dos jagunços conselheiristas.
Ainda em 1941, sabendo que Ioiô era bom de balcão, Zé Dantas
o chamou para sócio da sua loja sem impedir que o então prefeito José Camerino
de Abreu o nomeasse em 10 de outubro de 1942 contador da prefeitura. Estava o
mundo em guerra, Paris sendo libertada, quando Ioiô desligou-se da sociedade
com o irmão e do cargo de contador da prefeitura para estudar em Salvador com o
fim de se preparar para o concurso de exator de coletoria ocorrido em 1946,
cujo resultado o colocou na 2ª dezena de aprovados. No governo de Octávio
Mangabeira, em 23 de junho de 1947, foi nomeado para a Coletoria de Uauá,
assumindo em 11 de julho do mesmo ano, por influência do colega Antonio
Santiago, namorado de Iaiá, irmã do Cel. Jerônimo Ribeiro.
Em Uauá voltou a procurar a senhorita Valmira com quem se
casará em 3 de fevereiro de 1951. Mas antes de realizar o sonho de voltar à sua
terra como coletor estadual, o então secretário da Fazenda, Dantas Junior o
convidou para instalar a Coletoria de Cansanção. Pisar na sua terra exercendo a função de coletor
só em 2 de janeiro de 1950, mas nesse mesmo ano elegeu-se vereador do município
de Uauá. Passam-se quatro anos. Em 1954, ano em que apóia o candidato a
prefeito, pela UDN, senhor Teago Ferreira de Carvalho, Ioiô elege-se vereador e
presidente da Câmara Municipal de Euclides da Cunha.
Em 1966, em pleno regime
autoritário, Ioiô Dantas torna-se candidato único e, com o apoio do líder José
Camerino de Abreu, foi eleito prefeito de sua terra. Em Brasília, o Congresso
elege Costa e Silva e para governador da Bahia, indicado pelo presidente
Castelo Branco, a Assembléia Legislativa aprova o nome do acadêmico, biógrafo,
político e escritor Luís Viana Filho. O prefeito de Euclides da Cunha
administrou o município num período dos mais autoritários da história
brasileira. Julgaram a Constituição de 1967 inadequada à continuidade do
processo “revolucionário”. Por isso outorgaram uma Emenda que mais parecia
outra Constituição, a cujo texto incorporaram partes do AI-5, eliminando assim
as partes liberais da anterior. Luís Viana teve o seu mandato ameaçado. O
secretário de Educação Luís Navarro de Brito teve de se exonerar e o de Minas e
Energia, Oliveira Brito, foi cassado.
Apesar da pouca ajuda do governo estadual, ficando restrita
aos recursos com que se construíram o prédio da Escola Estadual Joaquim Silva
Dantas e o da Serra Vermelha, Ioiô concretizou o sonho de ter sido o prefeito
de sua terra realizando o máximo de obras úteis ao povo com os parcos recursos
de que dispunha o município. Realizou uma administração que chamou a atenção de
um coronel do Exército que fiscalizava a região procurando a “cabroeira” de
Oliveira Brito. O destacado militar emocionou-se com a qualidade da obra de
Ioiô Dantas, a ponto de afirmar que havia um grave erro na sua administração, o
de não dar publicidade. Publicidade para servir de exemplo a outros municípios.
Mas o coronel deve ter ficado sabedor que o grande prefeito Ioiô não gastava em
propaganda nem fazia festa de inauguração de suas obras para economizar
recursos com os quais, por sugestão da esposa Valmira, construiria novos prédios
escolares.
Além da estrada do Aribicé, cuja inexistência envergonhava
os euclidenses, pois estes, para alcançar o povoado, precisavam ir por Pombal
via Tucano, Ioiô Dantas, só com recursos do município, realizou muitas obras,
tais como: construção de um matadouro todo azulejado, com dois currais grandes,
limpos e asseados; reconstrução do prédio escolar “Duque de Caxias”, encontrado
em péssimas condições e sem funcionamento, e de outros situados no Olho d’Água
do Meio, Rosário e Ruilândia; construção de prédio escolar em Massacará, com
biblioteca, Aribicé, Caimbé, Carnaiba, Bendegó.
Ioiô ainda restituiu as estradas de Aribicé até o limite com
Ribeira do Pombal, de Rosário a Cocorobó, de Euclides da Cunha (sede) a Maria
Preta passando por Ruilândia e até o limite de Algodões que na sua época
pertencia a Tucano. Fez pequenas aguadas no Alecrim, Carnaíba, Bendegó, Tromba,
Santo Antonio, Poções, Serra Vermelha, Araçás, Rio Soturno, Caimbé, Ruilândia e
Maria Preta. Fez o calçamento do Agarra
Mão. Construiu o chafariz e a praça Cecílio Demétrio. E no último dia de sua
administração, até 12 horas da noite calçou o trecho da Maçonaria a Totonho
Dantas.
Com o auxílio da esposa Valmira Elpidio Dantas, que
trabalhou sem ônus para a prefeitura, providenciou livros de escrituração,
instalou caixas escolares em todas as escolas, fundou associações. Sem ajuda de
nenhum órgão, só com os recursos da prefeitura, Ioiô adquiriu um trator
Caterpílar e um caminhão Chevrolet. Como não conseguiu a construção do
hospital, apesar de vários ofícios enviados ao órgão próprio, resolveu Ioiô
contratar Dr. Humberto e trazer definitivamente para Euclides os doutores
Aristides e Rui Marques.
Dos primos carnais que ganharam o apelido de Ioiô o primeiro
sem dúvida foi João Siqueira Santos, meu mestre e amigo, consagrado como Ioiô
da Professora, numa justa homenagem à sua mãe Erotildes Siqueira, natural de
Saubara, que veio de Salvador para dar aulas às meninas contemporâneas de D.
Maroca, mãe de Nelson Bastos.
No início de 1904, preocupado com a educação primária de sua
primogênita, que se aproximava dos 7 anos, o Capitão Dantas empenharia todos os
esforços no sentido de trazer para Cumbe uma professora competente, diplomada
numa boa escola da capital da Bahia. Para essa empreitada, obteve o apoio do
então intendente de Cumbe, coronel Arsênio Dias Guimarães, que, embora bem
relacionado com os políticos da situação, preferia permanecer no conforto de
seu casarão do Caimbé, arrodeado de ex-escravos. Cap. Francisco da Silva Dantas
fez tudo isso como um simples cidadão que desejava o melhor para a sua família
e o povo da querida terra escolhida para viver.
Após o casamento com
D. Isabel do coronel Potamio, neta e bisneta dos homens mais poderosos de
Massacará, da qual nasceu apenas uma filha, Ederlinda (EDI), pensava-se que
Ioiô da Professora fosse reerguer o império dos Camelos, superar o patrimônio
do avô Manoel Alexandre ou, pelo menos, desenvolver o seu rebanho de gado
bovino, caprino e cavalar. No entanto, no tempo em que viveu na Ilha dos ancestrais
do coronel José Américo nunca passou de pequeno fazendeiro. Ao voltar de
Massacará para morar na avenida Rui Barbosa, o seu negócio não foi além de uma
bodega composta de alguns produtos, especialmente a aguardente da cana. Durante
meio século vendendo pinga, sem dela fazer uso, aturando bêbados de todos os
tipos, Ioiô pode ter batido o recorde de embriagar os seus clientes com a maior
brevidade. Os usuários da “branquinha” se fartavam com as suas doses cavalares.
Ao final do dia, o pé do balcão achava-se encharcado e visguento de tantas
cusparadas inevitáveis. À tarde, principalmente no dia de feira, depois da
última talagada, voltavam para casa trocando as pernas, tentando segurar as
compras que caiam. Tanto no interior do balcão como no da sua residência, Ioiô
acolhia os amigos da roça, além de guardar-lhes a sacola, o cesto, o saco e
outras bugigangas.
Fonte: Livro Cap.Dantas e os 3 Ioios