Francisco da Silva Dantas (Capitão Dantas)
Até 1903, a vila de Cumbe, hoje Euclides da Cunha, não tinha ainda a sua professora. O que faz o Capitão Dantas? Lança-se, com o aval do então intendente, coronel Arsênio Dias Guimarães, a uma luta difícil, mas não impossível: trazer para Cumbe uma professora primária, diplomada. Com a morte do Barão de Jeremoabo, seu “padrinho” nesta causa tão nobre, o senhor Dantas intensifica seus contatos com os dirigentes da instrução pública do governo de Severino Vieira, enquanto, por outro lado, uma jovem professora, recém-formada em Salvador, se empenha por conseguir o primeiro emprego.
Professora Erotildes
Não tardou de chegar o dia em que os dois se conheceram. A vontade dele de ver as crianças da nova terra na escola casa-se com o desejo dela de ensinar o que aprendeu e de ter uma profissão. De repente, surge um obstáculo quase intransponível para a jovem Erotildes — Cumbe era muito próximo de Canudos. O ouvir o nome de Cumbe fazia-a lembrar-se das subnutridas, doentes e maltrapilhas prisioneiras de guerra de que tratou em Salvador, quando foi voluntária em um dos “hospitais”. A imagem de abandono das jaguncinhas — crianças e mocinhas — cortava-lhe o coração, não lhe saía da mente. Canudos metia-lhe ainda muito medo. Não fossem os recursos persuasivos e muita insistência do senhor Dantas,
além da promessa de que, se ela não se desse bem na vila, ele a traria de volta, a jovem professora de Saubara não teria ido morar no sertão. A vila de Cumbe teria se privado de uma grande mestra. Dona Filinha, nome pelo qual ficou conhecida, consulta sua família e topa o desafio. Em 1904, sai a sua nomeação, não sei se ainda no final do governo de Severino Vieira ou se já no início do de José Marcelino. Mas como chegar ao Cumbe se só havia trem até Queimadas? A solução encontrada foi o carro de boi que já conhecia e que dele já tinha feito uso como carro de passeio pelas fazendas de Santo Amaro. O senhor Francisco Dantas arranja-lhe um, bem equipado, com toldo, para protegê-la do sol, feito com uma arcada de cipó-de-leite, coberto com uma empanada. Para dar-lhe maior conforto, prepara-lhe um colchão especial de lã de barriguda. Se o mecenas sertanejo teve o cuidado de colocar esses opcionais importantes no carro de boi, coisa foi com relação à escolha do
carreiro. Calasans é o nome dele, homem de sua mais alta confiança. Na data certa, marcada através de carta, já estava ele na vila de Queimadas, com poucos minutos de atraso. Dona Filinha tinha já feito amizade com uma professora leiga, na casa da qual descansava. O choro monótono do carro de boi desperta-a e anuncia-lhe a chegada do carreiro. No outro dia, juntos, seguindo as pegadas do coronel Moreira César, o paciente piloto retoma o caminho de casa. Dona Erotildes, entretanto, vai ao encontro do destino. Queimadas, para Calasans, foi apenas mais um de seus pontos de chegada. Para a jovem professora santo-amarense, o ponto de partida de uma grande aventura. Durante a viagem, houve muitas paradas e dois pernoites para descanso deles e dos animais. Em cada pernoite — retiram-se os bois da canga, dão-se a eles o descanso e o alimento no pasto da fazenda ou da roça do amigo mais próximo. De repente, a professorinha adormece. O carreiro, ao contrário, se transforma em cão de guarda. São assim os “cordas de couro” do sertão. É assim o Calasans. O sol ainda nem clareou, e, com o silêncio da caatinga, já se ouve, a uma légua de distância, um cantar choroso, deprimente e triste. É o carro de boi levando dona Erotildes em procura de Cumbe. Depois de Contendas, Tanquinho, Cansanção e Quirinquinquá, surge, bem longe, imponente,
Serra Piquaraçá
a serra de Piquaraçá, com as 25 capelinhas, parecendo o caminho do céu. Embaixo, no pé da serra, está a vila que o missionário capuchinho frei Apolônio de Todi, seu fundador, chamou de “Monte Santo”, lugar em que dona Filinha mais uma vez descansa. A próxima parada é na “Fazenda Jibóia”, de João Dantas, do Caritá, onde o coronel Moreira César, conhecido por “corta-cabeças”, se recuperou do segundo ataque de epilepsia. Continua a futura professora de Cumbe seguindo o rastro do comandante da Terceira Expedição.
Como se viesse de uma grande batalha, entra dona Erotildes, de forma triunfal, na vila de Cumbe, tal como Joana d’Arc em Patay. Na “rua da igreja”, o senhor Dantas movimenta o povo para receber a sua professora, tão esperada por pais e filhos quanto uma rainha por seus súditos. Hospeda-se a novel professorinha na Rua do Baltazar (Rua de Cima ou Rua dos Lima), na casa de “Mãe Lali”, sua futura cunhada. Dia seguinte, inicia as aulas apenas para as meninas. Nesta época, meninos e meninas não se misturavam.
Um ano depois, as crianças sentadas ainda em bancos e cadeiras, deveres feitos na perna, volta a professora dona Erotildes a procurar o Capitão Dantas, desta vez para lhe pedir que lhe arranjasse algumas carteiras. Mais que de repente,
Com pouco mais de um ano, dona Erotildes casa-se com Leolino, irmão da esposa de seu “padrinho”,
capitão Francisco da Silva Dantas, e vai morar até o último dia da vida na casa (hoje histórica) onde oficiais da 3ª expedição do coronel Moreira César repousaram antes de
Leolino Manoel dos Santos
serem massacrados em Canudos. Dona Filinha teve dez filhos, pela ordem: Rogaciano, Domingos, Valdomira, João (Ioiô), José (Zeca), Raimundo, Pedro, Renato, Maria de Lourdes e Antonio. De uma boa árvore nasceram bons frutos.
Casa da professora
Ioiô da Professora
MuseuDoCumbe.com
Extraído do livro: Capitão Dantas e os 3 Ioiôs (Autor: Dionísio Nóbrega)
(Publicado em A Tarde em 14 de agosto de 1994)
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